UM QUARENTÃO DE FUTURO INCERTO
Inaugurado em 25 de janeiro de 1971 — exatamente no dia do aniversário de São Paulo — pelo então prefeito Paulo Maluf, o Elevado Presidente Artur Costa e Silva, que a população apelidou carinhosamente de ‘Minhocão’, foi a obra que nasceu para solucionar os graves problemas viários na interligação do centro com as zonas leste e oeste da capital.
À época, foi considerada a maior obra viária urbana da América Latina, um monstro de 2,8 quilômetros de extensão no qual, atualmente, circulam diariamente mais de 70 mil carros. Hoje é o patinho feio da região central, uma ferida que corta o centro da cidade, distribuindo barulho e fumaça aos moradores que vivem nos prédios lineares ao seu trajeto, e segundo os mesmos, ‘enfeiando’ a cidade.
Não vem de hoje os debates sobre o futuro do Elevado. Gestores públicos, especialistas e representantes da sociedade se debruçam há anos sobre o tema em busca de uma solução criativa. Mas ela parece estar longe, e as opiniões divergentes perduram e se acirram. O vereador e urbanista Nabil Bonduki (PT), que também é professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP, foi relator do Plano Diretor Estratégico (PDE) e atualmente ocupa o cargo de secretário municipal de Cultura (gestão Haddad), afirma que a construção do Minhocão foi um grande equívoco. “Eu, como urbanista, entendo que, em primeiro lugar, o Minhocão é uma obra desastrada.”
“O Minhocão emprega uma passagem pelo centro, é uma ligação leste-oeste, ou seja, o destino das pessoas não é o centro. Veja como é injusto. Eu passo na janela do seu apartamento só de passagem, mas deixo ali o barulho, a fumaça e a falta de qualidade de vida”, acrescentou José Police Neto, vereador pelo PSD, que apresentou projeto para transformação do local em parque.
PLANO DIRETOR
A luz no fim do túnel foi acesa pelo novo Plano Diretor Estratégico da cidade, que determinou, em um dos seus artigos, a completa desativação da via suspensa para uso dos carros no prazo máximo de 15 anos — a contar do ano de sua aprovação (2014). Diante desta nova perspectiva, estudos, opiniões de especialistas, manifestações de moradores, audiências públicas, reportagens especiais, entre outras ações, fomentam ainda mais o debate. Implodir? Torná-lo um parque linear suspenso? E o carros, para onde vão? A cidade pode prescindir dessa via de acesso?
DEMOLIÇÃO? De acordo com estudos prévios realizados pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e divulgados na metade do ano passado, a demolição do Elevado Costa e Silva é possível, mas implicará na “adequação do sistema viário existente”. A autarquia indicou que nas ruas próximas, por exemplo, devem ser adotadas medidas pontuais, como a redução das áreas voltadas ao estacionamento, por exemplo. |
PARQUE LINEAR? Já para o presidente da Associação Parque Minhocão, Athos Comolati, a criação do parque é uma demanda da maioria que mora no entorno do Elevado. “Nós temos sete mil assinaturas físicas. Desses sete mil que assinaram, que são frequentadores aos domingos, cerca de 90% são moradores da região”, ratificou. |
FECHAMENTO GRADUAL DO ELEVADO
O Elevado Costa e Silva já é restrito aos carros todos os domingos, feriados e durante a semana, das 21h30 até as 6h30, desde 1996, por força de lei (nº 12.152/96) de autoria do então vereador José Eduardo Cardoso (PT), atual advogado Geral da União. No entanto, o nível de restrição na via aumentou em julho do ano passado, quando o prefeito Fernando Haddad anunciou a interdição do Minhocão também aos sábados, a partir das 15h. A medida foi baseada em análise da CET, que realizou testes prévios por dois finais de semana e atestou baixa circulação de carros no período, o que tornou viável a ação.
No início do mês (9/3), a prefeitura sancionou uma lei que denomina o Elevado Costa e Silva como Parque Minhocão nos dias em que a via estiver fechada para o tráfego de veículo. Embora não tenha resultado prático, a medida aponta para a visão do Executivo a longo prazo.
URBANISTAS |
URBANISTAS DEFENDEM MAIS DEBATE PARA DECIDIR O FUTURO
“O Minhocão é fruto de uma visão antiga de cidade na qual predominam os carros, onde ciclistas e outras formas de deslocamento não eram tão importantes” Kazuo Nakano, urbanista e professor do mestrado da FGV e da Fiam-Faam. |
“O que queremos com a demolição do Minhocão? Vamos querer embaixo uma avenida tradicional ou vamos fazer um parque?” Paula Freire Santoro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). |
“A forma como o Minhocão tem sido utilizado pelas pessoas aos domingos evidencia a significativa carência de espaços públicos da cidade” Simone Gatti, arquiteta e urbanista do Instituto Pólis. |
COMUNIDADE |
PARQUE X VIA X DEMOLIÇÃO: O QUE VOCÊ PREFERE?
Entre a população não há consenso sobre o futuro do viaduto. Parte dos vizinhos do Elevado defende que ele continue como está. Há oito anos morando ao lado do elevado, a representante comercial Maria Enas Tovarias, 52 anos, decidiu alugar um apartamento na região por conta da via. “Escolhi aqui porque o Minhocão me encantou. Gosto de movimento”, contou.
A corretora de seguros Branca Elizabete de Moraes, tem 49 anos e nunca morou em outro local. “A minha janela fica em frente ao Minhocão e nos dias em que o espaço é utilizado para lazer, perco a minha privacidade. Não é uma boa saída que vire parque”, opinou.
Já o estudante Gustavo Sagavia, 15 anos, mora no Morumbi e frequenta o Elevado Costa e Silva para andar de skate. “Acho que seria legal que virasse um parque, sem nenhum carro. Assim, as pessoas poderiam frequentar o local não apenas aos domingos e feriados”, sinalizou.
A opinião dessas vizinhas do Minhocão reflete o que revelou a pesquisa Datafolha, divulgada no segundo semestre do ano passado. De acordo com o estudo, apenas 7% da população gostaria que a via fosse demolida. Outros 53% dos entrevistados gostariam que o Elevado continuasse como está e 23% preferem que a via seja transformada em parque. O restante não soube responder.
PELO MUNDO |
MOBILIDADE POR QUEM PEDALOU PELO MUNDO
“O Minhocão não pode ser pensado de forma isolada do seu entorno, dos prédios que estão em volta, do comércio, das oportunidades e das pessoas que circulam por ali.” Natália Garcia, jornalista especializada em planejamento urbano e criadora do projeto Cidade para Pessoas, que fez com que ela somasse um amplo conhecimento internacional em atividade humana nas cidades. |
“É muito mais fácil a gente tirar o Minhocão e se iludir de que vai sanar os problemas recorrentes de uma série de outros fatores que são eminentemente sociais do Brasil, mas não vai.” Renata Falzoni, arquiteta, repórter fotográfica e ativista do transporte em bicicletas que pedalou por mais de 28 países. Criou o blog Bike é Legal. |
O FUTURO |
O QUE O FUTURO RESERVA?
Vereador José Police Neto (PSD) é autor do Projeto de Lei nº 439/2015 sancionado pelo prefeito Fernando Haddad, que altera a nomenclatura ao Elevado Costa e Silva para “Parque Minhocão”. O parlamentar ainda discute o PL 22/2015, que determina o fechamento do Minhocão por 24 horas também aos sábados, a exemplo do que acontece aos domingos.
O futuro do Elevado, na visão do parlamentar, é torná-lo um parque, com toda a rotina que deve ter um equipamento público, limpeza, segurança, entre outras ações. “Acho que a gente está diante de uma cidade que opta pelas pessoas, e não só pelos carros, como foi a decisão de muitos governos até agora”, afirma Neto.
O vereador Nabil Bonduki ocupa o cargo de secretário municipal de Cultura da gestão Haddad. Formado em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo, Nabil foi relator do Plano Diretor Estratégico da cidade, aprovado em 2014, e que possui artigo que decreta o fim do Minhocão para uso dos carros em 2029.
Bonduki acredita que o Minhocão foi uma obra desastrada, responsável por parte da deterioração da Avenida São João e o entorno. “Eu acho que tanto aqueles que entendem que há carência de áreas livres na cidade quanto aqueles que querem a demolição têm uma pontinha de razão, mas nós precisamos encontrar um meio termo”, disse.
LINHA DO TEMPO |
SOBRE O MINHOCÃO
Inaugurado em 25 de janeiro de 1971 – exatamente no dia do aniversário de São Paulo-, na gestão do então governador Paulo Maluf, o Elevado Presidente Costa e Silva foi o ‘presente’ que a cidade recebeu visando solucionar os graves problemas viários na interligação leste e oeste da capital.
Para se ter uma ideia, no horário de pico da manhã (das 7h às 10h) passam pela Minhocão, em média, cerca de 18.800 veículos. Já durante o horário de pico da tarde (das 17h às 20h) são cerca de 12.800 veículos, segundo dados da CET.
Lá se vão 45 anos desde que um veículo percorreu pela primeira vez os quase três quilômetros de extensão do Minhocão, todavia, as discussões envolvendo o futuro do viaduto só aumentaram desde então.
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